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SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

 

SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS- 01/11/2020

Fascículo Especial[1]

PRIMEIRA LEITURA: Ap 7, 2-4.9-14.

Vi uma multidão imensa de gente de todas
as nações, tribos, povos e línguas.

Leitura do Livro do Apocalipse de São João.

Eu, João,
2 vi um outro anjo, que subia do lado onde nasce o sol.
Ele trazia a marca do Deus vivo e gritava, em alta voz,
aos quatro anjos que tinham recebido o poder
de danificar a terra e o mar, dizendo-lhes:
3 “Não façais mal à terra, nem ao mar nem às arvores,
até que tenhamos marcado na fronte os servos do nosso Deus”.
4 Ouvi então o número dos que tinham sido marcados:
eram cento e quarenta e quatro mil,
de todas as tribos dos filhos de Israel.
9 Depois disso, vi uma multidão imensa de gente de todas as nações,
tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar.
Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro;
trajavam vestes brancas e traziam palmas na mão.
10 Todos proclamavam com voz forte:
“A salvação pertence ao nosso Deus,
que está sentado no trono, e ao Cordeiro”.
11 Todos os anjos estavam de pé, em volta do trono e dos Anciãos
e dos quatro Seres vivos e prostravam-se,
com o rosto por terra, diante do trono. E adoravam a Deus, dizendo:
12 “Amém. O louvor, a glória e a sabedoria,
a ação de graças, a honra, o poder e a força
pertencem ao nosso Deus para sempre. Amém”
13 E um dos Anciãos falou comigo e perguntou:
“Quem são esses vestidos com roupas brancas?
De onde vieram?”
14 Eu respondi: “Tu é que sabes, meu senhor”. E então ele me disse:
“Esses são os que vieram da grande tribulação.
Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro”.
Palavra do Senhor.

SALMO RESPONSORIAL: 23/24

Salmo – Sl 23 (24), 1-2.3-4ab. 5-6 (R. cf. 6)

R.: É assim a geração dos que procuram o Senhor!

1 Ao Senhor pertence a terra e o que ela encerra, *
o mundo inteiro com os seres que o povoam;
2 porque ele a tornou firme sobre os mares, *
e sobre as águas a mantém inabalável. R.

3 “Quem subirá até o monte do Senhor, *
quem ficará em sua santa habitação?”
4a “Quem tem mãos puras e inocente coração, *
4b quem não dirige sua mente para o crime. R.

5 Sobre este desce a bênção do Senhor *
e a recompensa de seu Deus e Salvador”.
6 “É assim a geração dos que o procuram, *
e do Deus de Israel buscam a face”. R.

SEGUNDA LEITURA: 1Jo 3, 1-3.

Veremos Deus tal como é.

Leitura da Primeira Carta de São João 3,1-3
Caríssimos,
1vede que grande presente de amor o Pai nos deu:
de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!
Se o mundo não nos conhece, é porque não conheceu o Pai.
2 Caríssimos, desde já somos filhos de Deus,
mas nem sequer se manifestou o que seremos!
Sabemos que, quando Jesus se manifestar,
seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é.
3 Todo o que espera nele, purifica-se a si mesmo,
como também ele é puro.
Palavra do Senhor.

ACLAMAÇÃO AO EVANGELHO

ALELUIA, ALELUIA, ALELUIA.

Vinde a mim, todos vós que estais cansados

e penais a carregar pesado fardo,

e descanso eu vos darei, diz o Senhor.

ALELUIA, ALELUIA, ALELUIA.

EVANGELHO: Mt 5, 1-12a.

Bem-aventurados os pobres em espírito.

+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus.

Naquele tempo:
1 Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se.
Os discípulos aproximaram-se,
2 e Jesus começou a ensiná-los:
3 ‘Bem-aventurados os pobres em espírito,
porque deles é o Reino dos Céus.
4 Bem-aventurados os aflitos,
porque serão consolados.
5 Bem-aventurados os mansos,
porque possuirão a terra.
6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
porque serão saciados.
7 Bem-aventurados os misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia.
8 Bem-aventurados os puros de coração,
porque verão a Deus.
9 Bem-aventurados os que promovem a paz,
porque serão chamados filhos de Deus.
10 Bem-aventurados os que são perseguidos
por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.
11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem
e perseguirem, e mentindo,
disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim.
12a Alegrai-vos e exultai,
porque será grande a vossa recompensa nos céus.
Palavra da Salvação.

HOMILIA I [2]

São Mateus é o Evangelista que, em algumas páginas, faz uma síntese de todo o Evangelho, ou seja, de todas as leis do Reino de Deus. É o Sermão da Montanha. O Sermão da Montanha é a Carta Magna do Reino de Deus. Inicia-se com a proclamação das Bem-Aventuranças do Reino, ou dos valores do Reino. São as leis básicas do caminho, no qual o discípulo de Jesus escolhe Cristo Jesus como único necessário.

No Sermão da Montanha enumeramos oito bem-aventuranças, mas, na realidade, só existe uma bem-aventurança, uma só condição para a aceitação do Reino: a pobreza. Seis delas explicam em que consiste a pobreza. E a oitava mostra o que a pobreza engendra.

“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus”. Pobres de espírito são os que têm consciência de sua insuficiência, são os que não dizem assim: “Eu sou rico, e não preciso de ninguém” (Ap. 3,17). São os que sentem sua fraqueza. São os que não fazem opinião muito alta de si mesmos, mas se revestem de sentimentos modestos. São os que aceitam a verdade sobre os próprios limites, inclusive os limites dos próprios pecados. Deus diz que mora nos lugares altos e na santidade, mas se debruça do alto do santuário para estar com o homem contrito e ­humilhado para elevá-lo à santidade. Ele não quer contestar, quando diante dele tombam desfalecidos os espíritos.

Os autossuficientes serão abandonados à sua autossuficiência. Os cegos, que pensam estar vendo, serão abandonados sua cegueira. Mas aqueles que são verdadeiros, isto é, os homens que reconhecem sua cegueira diante do transcendente, serão conaturalizados com a transcendência. Por isso deles é o Reino dos céus.

“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”. Os que choram são os que fazem experiência da terra para os saciar. São pessoas instruídas pelos fatos. Nenhum “haver” finito satisfez seu “querer” infinito. Por isso são pessoas abertas. Deus disse que virá consolar os que choram. Jesus disse que foi enviado para curar os contritos de co­ração e consolar os aflitos. O Apocalipse diz muitas vezes que Deus enxugará as lágrimas dos olhos de seus eleitos.

E o Cântico dos Cânticos diz: “Levanta-te, minha amiga, minha formosa e vem: o inverno passou, as chuvas cessaram, as flores apareceram e ouviu-se a voz da rola em nossa terra” (Ct. 2, 10-12).

“Bem-aventurados os mansos porque possuirão a terra”! Os pobres de espírito naturalmente são mansos com os ou­tros. Não existe dureza, intransigência, rispidez, rigidez naqueles que reconhecem sua insuficiência. Então eles pos­suem espontaneamente esta clareza de inteligência e de sentimento que os torna atentivos às palavras dos outros. Eles são calmos, sabem ouvir em profundidade. Jesus dirá de si mesmo que é “manso e humilde de coração. Humildade – que é pobreza de espírito – e doçura são a mesma coisa, uma maneira de ser. A maneira de ser do Reino de Deus.

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”. Jesus não tem, aqui, em vista nosso moderno conceito de justiça. Justiça, aqui, significa santidade, perfeição, a inocência que vem de Deus. Ele não diz: bem-aventurados os justos, os santos, os perfeitos, os inocentes, mas os que desejam a justiça, a santidade, a perfeição, a inocência.

“Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”. “Misericordioso” vem do latim: “cors, cor miser”, isto é, coração que sofre com o sofrimento do outro, como o Centurião de Cafarnaum, que Jesus encontrou logo após ter descido do monte, que tinha assumido no coração a miséria de seu servo. O misericordioso é aquele que assume a dor do mundo. É aquele que se compadece, que “sofre-com” o outro. É aquele que sabe amar com inteligência, e, pelo amor é capaz de compreender tudo no outro, mesmo o pecado, que é a pior das misérias.

“Bem-aventurados os que têm coração puro, porque verão a Deus”. Não se trata apenas, de domínio dos sentidos. Nada mais deplorável que este encurtamento da palavra “pureza”, para significar tão somente pureza corporal. É da pureza de coração que Jesus fala, isto é, da pureza interior. É o fundo da alma onde Deus habita. Esse ponto sagrado de nós mesmos, essa faixa profunda de nossa solidão humana, onde Deus habita. Essa região de profundíssima solidão da pessoa humana, onde a inteligência, a vontade e a graça coincidem, se precisamente isto é puro, transparente, translúcido. Os corações puros são límpidos na raiz mesma de seu ser, isto é, são francos, sinceros, leais, simples, claros, retos. Simplicidade quer dizer, ao mesmo tempo, retidão e transparência: sem diplomacia, sem complicação, sem cumplicidade, sem duplicidade.

“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus”. Pacífico, nesse contexto do Evangelho, quer dizer “construtor da paz”. O “pacífico” da bem-aventurança não é aquele que foge à luta, vive acomodado, não reage. É o construtor da paz. Quanta guerra é preciso fazer para construir a paz! Cristo construiu a paz com o sangue de sua cruz. Foi pela batalha da cruz que estabeleceu o homem na paz de Deus. A cruz foi o fruto da luta que ele travou contra o egoísmo e a injustiça. No evangelho, a palavra “paz” é sempre solidária da palavra “justiça”. Os construtores da paz são os que estão dispostos a morrer na luta contra a injustiça. Os construtores da paz são os que não fogem à luta. Não são os que pedem para ser poupados na luta. Não são os instalados, os acomodados. A acomodação não tem grandeza, e Deus, que não quer senão a grande­za de seus filhos, não ouve a oração de quem pede para ser resguardado na luta. No combate contra a injustiça e o egoísmo, o que ele dá aos seus filhos não é um abrigo, mas uma armadura: o cinto da verdade, a couraça da justiça, o calçado do zelo que dá o Evangelho da paz, o escudo da fé, o capacete da salvação, e a espada do espírito que é a pa­lavra de Deus.

“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da Justiça, porque deles é o Reino dos céus”. Quem aceita o Evangelho como lei da existência, não deve ter medo de ser autêntico. Mas quem aceita o Evangelho até suas últimas consequências, será perseguido. Porque a razão carnal Deus a convenceu de loucura. Então é natural que ela se vingue, procurando convencer de loucura as razões de Deus. Todos os profetas ouviram dizer que eram loucos. Os profetas de Israel, e os profetas de nossos dias. O profeta se tornou flagelo para o mundo. O mundo buscará reagir, flagelando o profeta.

HOMILIA II – DO PAPA FRANCISCO [3]

No Evangelho ouvimos Jesus que ensina os seus discípulos e a multidão reunida na colina nos arredores do lago da Galileia (cf. Mt 5, 1-12). A palavra do Senhor ressuscitado e vivo indica-nos, também a nós hoje, o caminho para alcançar a verdadeira felicidade, a vereda que conduz para o Céu. Trata-se de um caminho difícil de compreender, porque vai contra a corrente; contudo, o Senhor diz-nos que quem percorre esta estrada é feliz, mais cedo ou mais tarde será feliz.

«Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus». Podemos perguntar-nos como pode ser feliz uma pessoa pobre de coração, cujo único tesouro é o Reino dos Céus. Mas o motivo é precisamente este: porque, tendo o coração despojado e livre de muitas coisas mundanas, esta pessoa é «esperada» no Reino dos Céus.

«Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados». Como podem ser felizes, aqueles que choram? E, no entanto, quantos na vida nunca experimentaram a tristeza, a angústia e o sofrimento, jamais conhecerão a força da consolação. Ao contrário, felizes podem ser aqueles que têm a capacidade de se comover, de sentir no coração a dor que existe na sua própria vida e na existência dos outros. Eles serão felizes, uma vez que a mão terna de Deus Pai os consolará e acariciará.

«Bem-aventurados os mansos». Quanto a nós, ao contrário, quantas vezes somos impacientes, nervosos, sempre prontos para reclamar! Temos tantas pretensões em relação aos outros, mas quando nos tocam, reagimos erguendo a voz, como se fôssemos os senhores do mundo, enquanto na realidade somos todos filhos de Deus. Pensemos sobretudo naquelas mães e naqueles pais que são tão pacientes com os seus filhos, que «os perturbam». Este é o caminho do Senhor: a vereda da mansidão e da paciência. O próprio Jesus percorreu esta senda: quando era criança suportou a perseguição e o exílio; mais tarde, quando era adulto, as calúnias, as ciladas, as falsas acusações no tribunal; e suportou tudo com mansidão. E por amor a nós, chegou a suportar inclusive a cruz.

«Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados». Sim, aqueles que têm um forte sentido da justiça, e não apenas em relação ao próximo, mas antes de tudo no que se lhes refere, serão saciados porque estão prontos para receber a maior justiça, aquela que somente Deus pode proporcionar.

E depois, «bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão a misericórdia». Ditosos aqueles que sabem perdoar, que têm misericórdia pelo próximo, que não julgam tudo e todos, mas procuram colocar-se no lugar dos outros. O perdão é algo de que todos nós temos necessidade, sem excluir ninguém. É por este motivo que, no início da Missa, nos reconhecemos por aquilo que somos, ou seja, pecadores. E não se trata de um modo de dizer, de uma formalidade: é um gesto de verdade. «Senhor, eis-me aqui, tende piedade de mim!». E se soubermos oferecer aos outros o perdão que pedimos para nós mesmos, seremos bem-aventurados. Como rezamos no «Pai-Nosso»: «Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido».

«Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus». Olhemos para o rosto daqueles que saem por aí, a semear o joio: são felizes? Quantos procuram sempre ocasiões para enganar, para se aproveitar dos outros, são felizes? Não, não podem ser felizes! Ao contrário, aqueles que todos os dias, com paciência, procuram semear a paz, são construtores de paz e de reconciliação, são bem-aventurados, porque são verdadeiros filhos do nosso Pai que está no Céu, o qual semeia sempre e unicamente a paz, a tal ponto que chegou a enviar ao mundo o seu Filho como semente de paz para a humanidade.

Estimados irmãos e irmãs, esta é a vereda da santidade, que é o mesmo caminho da felicidade. Foi esta a estrada percorrida por Jesus, aliás, Ele mesmo é este Caminho: quem o percorre com Ele e passa através dele, entra na vida, na vida eterna. Peçamos ao Senhor a graça de ser pessoas simples e humildes, a graça de saber chorar, a graça de ser mansos, a graça de labutar pela justiça e pela paz, mas acima de tudo a graça de nos deixarmos perdoar por Deus, para assim nos tornarmos instrumentos da sua misericórdia.

Foi assim que agiram os santos, que nos precederam na Pátria celestial. Eles acompanham-nos na nossa peregrinação terrena, encorajando-nos a ir em frente. Que a sua intercessão nos ajude a prosseguir pelo caminho de Jesus, alcançando a felicidade eterna para os nossos irmãos e irmãs já falecidos, pelos quais nós oferecemos esta Missa.

HOMILIA III – DO PAPA BENTO XVI, [4]

Amados irmãos e irmãs.

A nossa celebração eucarística inaugurou-se hoje com a exortação “Alegremo-nos todos no Senhor”. A liturgia convida-nos a compartilhar o júbilo celeste dos santos, a saborear a sua alegria. Os santos não são uma exígua casta de eleitos, mas uma multidão inumerável, para a qual a liturgia de hoje nos exorta a levantar o olhar. Em tal multidão não estão somente os santos oficialmente reconhecidos, mas os batizados de todas as épocas e nações, que procuraram cumprir com amor e fidelidade à vontade divina. De uma grande parte deles não conhecemos os rostos e nem sequer os nomes, mas com os olhos da fé vemo-los resplandecer, como astros repletos de glória, no firmamento de Deus.

No dia de hoje, a Igreja festeja a sua dignidade de “mãe dos santos, imagem da cidade divina” (A. Manzoni), e manifesta a sua beleza de esposa imaculada de Cristo, nascente e modelo de toda a santidade. Sem dúvida, não lhe faltam filhos obstinados e até rebeldes, mas é nos santos que ela reconhece os seus traços característicos, e precisamente neles saboreia a sua glória mais profunda.

Na primeira Leitura, o autor do livro do Apocalipse descreve-os como “uma multidão enorme, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7, 9). Este povo compreende os santos do Antigo Testamento, a partir do justo Abel e do fiel Patriarca Abraão, os do Novo Testamento, os numerosos mártires do início do cristianismo e também os beatos e os santos dos séculos seguintes, até às testemunhas de Cristo desta nossa época. Todos eles são irmanados pela vontade de encarnar o Evangelho na sua existência, sob o impulso do eterno animador do Povo de Deus, que é o Espírito Santo.

Mas “para que servem o nosso louvor aos santos, o nosso tributo de glória, esta nossa solenidade?”. Com esta interrogação tem início uma famosa homilia de São Bernardo para o dia de Todos os Santos. É uma pergunta que se poderia fazer também hoje. E atual é inclusive a resposta que o Salmo nos oferece: “Os nossos santos diz não têm necessidade das nossas honras, e nada lhes advém do nosso culto. Por minha vez, devo confessar que, quando penso nos santos, sinto-me arder de grandes desejos” (Disc. 2; Opera Omnia Cisterc. 5, 364ss.). Eis, portanto, o significado da solenidade hodierna: contemplando o exemplo luminoso dos santos, despertar em nós o grande desejo de ser como os santos: felizes por viver próximos de Deus, na sua luz, na grande família dos amigos de Deus. Ser santo significa: viver na intimidade com Deus, viver na sua família. Esta é a vocação de todos nós, reiterada com vigor pelo Concílio Vaticano II, e hoje proposta de novo solenemente à nossa atenção.

Mas como é que podemos tornar-nos santos, amigos de Deus? A esta interrogação pode-se responder antes de tudo de forma negativa: para ser santo não é necessário realizar ações nem obras extraordinárias, nem possuir carismas excepcionais. Depois, vem a resposta positiva: é preciso sobretudo ouvir Jesus e depois segui-lo sem desanimar diante das dificuldades. “Se alguém me serve, Ele admoesta-nos, que me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo. Se alguém me servir, o Pai há de honrá-lo” (Jo 12, 26). Quem nele confia e o ama com sinceridade, como o grão de trigo sepultado na terra, aceita morrer para si mesmo. Com efeito, Ele sabe que quem procura conservar a sua vida para si mesmo, perdê-la-á, e quem se entrega, se perde a si mesmo, precisamente assim encontra a própria vida (cf. Jo 12, 24-25). A experiência da Igreja demonstra que cada forma de santidade, embora siga diferentes percursos, passa sempre pelo caminho da cruz, pelo caminho da renúncia a si mesmo. As biografias dos santos descrevem homens e mulheres que, dóceis aos desígnios divinos, enfrentaram por vezes provações e sofrimentos indescritíveis, perseguições e o martírio. Perseveraram no seu compromisso, “vêm da grande tribulação lê-se no Apocalipse lavaram as suas túnicas e branquearam-nas no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14). Os seus nomes estão inscritos no livro da Vida (cf. Ap 20, 12); a sua morada eterna é o Paraíso. O exemplo dos santos constitui para nós um encorajamento a seguir os mesmos passos, a experimentar a alegria daqueles que confiam em Deus, porque a única verdadeira causa de tristeza e de infelicidade para o homem é o fato de viver longe de Deus.

A santidade exige um esforço constante, mas é possível para todos porque, mais do que uma obra do homem, é sobretudo um dom de Deus, três vezes Santo (cf. Is 6, 3). Na segunda Leitura, o Apóstolo João observa: “Vede que amor tão grande o Pai nos concedeu, a ponto de nos podermos chamar filhos de Deus; e, realmente, o somos!” (1 Jo 3, 1). Portanto, é Deus que nos amou primeiro e, em Jesus, nos tornou seus filhos adotivos. Na nossa vida tudo é dom do seu amor: como permanecer indiferente diante de um mistério tão grande? Como deixar de responder ao amor do Pai celestial, com uma vida de filhos reconhecidos? Em Cristo, entregou-se inteiramente a nós e chama-nos a um profundo relacionamento pessoal com Ele. Portanto, quanto mais imitarmos Jesus e permanecermos unidos a Ele, tanto mais entraremos no mistério da santidade divina. Descobrimos que somos amados por Ele de modo infinito, e isto impele-nos, por nossa vez, a amar os irmãos. O amar implica sempre um ato de renúncia a si mesmo, o “perder-se a si próprio”, e é precisamente assim que nos torna felizes.

Assim chegamos ao Evangelho desta festa, ao anúncio das Bem-Aventuranças, que há pouco ouvimos ressoar nesta Basílica. Jesus diz: Bem-aventurados os pobres de espírito, bem-aventurados os aflitos, os mansos, quem tem fome e sede de justiça, os misericordiosos, bem-aventurados os puros de coração, os pacificadores, os que sofrem perseguição por causa da justiça (cf. Mt 5, 3-10). Na realidade, o Bem-Aventurado por excelência é somente Ele, Jesus.

Com efeito, Ele é o verdadeiro pobre de espírito, o aflito, o manso, aquele que tem fome e sede de justiça, o misericordioso, o puro de coração, o pacificador; Ele sofre perseguição por causa da justiça. As Bem-Aventuranças revelam-nos a fisionomia espiritual de Jesus e assim exprimem o seu mistério, o mistério da Morte e da Ressurreição, da Paixão e da alegria da Ressurreição. Este mistério, que é mistério da verdadeira bem-aventurança, convida-nos ao seguimento de Jesus e, deste modo, ao caminho que conduz a ela. Na medida em que aceitamos a sua proposta e nos colocamos no seu seguimento, cada qual nas suas próprias circunstâncias, também nós podemos participar das Bem-Aventuranças. Juntamente com Ele, o impossível torna-se possível e até um camelo pode passar pelo fundo de uma agulha (cf. Mc 10, 25); com a sua ajuda, somente com a sua ajuda podemos tornar-nos perfeitos como é perfeito o Pai celeste (cf. Mt 5, 48).

Estimados irmãos e irmãs, agora entramos no coração da Celebração eucarística, estímulo e alimento de santidade. Daqui a pouco tornar-se-á presente de modo mais excelso Cristo, verdadeira Videira à qual, como ramos, estão unidos os fiéis que vivem na terra e os santos do céu. Por conseguinte, mais íntima será a comunhão da Igreja que peregrina no mundo, com a Igreja triunfante na glória. No Prefácio proclamaremos que os santos são nossos amigos e modelos de vida. Invoquemo-los para que nos ajudem a imitá-los e comprometamo-nos a responder com generosidade, segundo o seu exemplo, à vocação divina. Invoquemos especialmente Maria, Mãe do Senhor e espelho de toda a santidade. Ela, a Toda Santa, nos faça ser fiéis discípulos do seu Filho Jesus Cristo! Amém.

HOMILIA IV – Papa Francisco – Angelus, 1º de novembro de 2017[5]

Prezados irmãos e irmãs, bom dia e feliz festa!

A solenidade de Todos os Santos é a “nossa” festa: não porque somos bons, mas porque a santidade de Deus tocou a nossa vida. Os santos não são pequenos modelos perfeitos, mas pessoas atravessadas por Deus. Podemos compará-los com os vitrais das igrejas, que fazem entrar a luz em várias tonalidades de cor. Os santos são nossos irmãos e irmãs que receberam a luz de Deus no seu coração e a transmitiram ao mundo, cada qual segundo a sua “tonalidade”. Mas todos foram transparentes, lutaram para tirar as manchas e as obscuridades do pecado, de modo a fazer passar a luz gentil de Deus. Eis a finalidade da vida: fazer passar a luz de Deus; e também o objetivo da nossa vida.

Com efeito, no Evangelho de hoje Jesus dirige-se aos seus, a todos nós, dizendo-nos «Bem-aventurados» (Mt 5, 3). É a palavra com que começa a sua pregação, que é “Evangelho”, boa nova porque é o caminho da felicidade. Quem está com Jesus é bem-aventurado, feliz. A felicidade não consiste em possuir algo, nem em tornar-se alguém, não, a felicidade autêntica consiste em estar com o Senhor e viver por amor. Queres crer nisto? A verdadeira felicidade não consiste em possuir algo, nem em tornar-se alguém; a felicidade autêntica consiste em estar com o Senhor e viver por amor. Acreditais nisto? Devemos ir em frente para crer nisto. Então, os ingredientes para a vida feliz chamam-se bem-aventuranças: são bem-aventurados os simples, os humildes que deixam espaço a Deus, que sabem chorar pelo próximo e pelos próprios erros, permanecem mansos, lutam pela justiça, são misericordiosos para com todos, preservam a pureza do coração, trabalham sempre pela paz e vivem na alegria, não odeiam e até quando sofrem respondem ao mal com o bem.

Eis as bem-aventuranças. Não exigem gestos sensacionais, não são para super-homens, mas para quem vive as provações e as dificuldades de todos os dias, para nós. Assim são os santos: respiram como todos o ar poluído do mal que há no mundo, mas ao longo do caminho nunca perdem de vista o caminho de Jesus, indicado nas bem-aventuranças, que são como o mapa da vida cristã. Hoje é a festa daqueles que alcançaram a meta indicada por este mapa: não só os santos do calendário, mas muitos irmãos e irmãs “da porta ao lado”, que talvez encontramos e conhecemos. Hoje é uma festa de família, de muitas pessoas simples e escondidas que na realidade ajudam Deus a fazer progredir o mundo. E hoje há tantas, muitas! Obrigado a estes irmãos e irmãs desconhecidos que ajudam Deus a fazer progredir o mundo, que vivem entre nós; saudemo-los todos com um caloroso aplauso!

Em primeiro lugar – reza a primeira bem-aventurança – estão os «pobres de espírito» (Mt 5, 3). Que significa? Que não vivem para o sucesso, o poder ou o dinheiro; sabem que quem acumula tesouros para si não enriquece diante de Deus (cf. Lc 12, 21). Ao contrário, julgam que o Senhor é o tesouro da vida, e o amor ao próximo a única fonte verdadeira de lucro. Às vezes ficamos descontentes por algo que nos falta ou preocupados se não somos considerados como gostaríamos; recordemos que a nossa bem-aventurança não consiste nisto, mas no Senhor e no amor: só com Ele, só amando vivemos felizes.

Por fim, gostaria de citar mais uma bem-aventurança, que não se encontra no Evangelho, mas na conclusão da Bíblia e fala do final da vida: «Felizes os mortos que morrem no Senhor» (Ap 14, 13). Amanhã seremos chamados a acompanhar com a oração os nossos defuntos, para que rejubilem para sempre no Senhor. Recordemos com gratidão os nossos queridos e oremos por eles.

A Mãe de Deus, Rainha dos Santos e Porta do Céu, interceda pelo nosso caminho de santidade e pelos nossos queridos que nos precederam e já partiram para a Pátria celeste.

[1] Este trabalho é mais uma tentativa de preencher o vazio de um trabalho que Frei Eurico não teve tempo para concluir. Tem um formato diferente, porque foi composto a partir de textos colhidos na internet. A Homilia I é do livro do Frei Eurico: “Seguirei Teus Passos”.

 

[2] DE MELLO, Frei Eurico, OFMCap. Seguirei Teus Passos. Ponta Grossa – Pr. Instituto de Previdência Fraterna, p. 74-77, 1978

[3] https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2015/documents/papa-francesco_20151101_omelia-ognissanti.html

[4] http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/homilies/2006/documents/hf_ben-xvi_hom_20061101_all-saints.html

[5] http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/angelus/2017/documents/papa-francesco_angelus_20171101.html