Perante os pais
“O Espírito do Senhor repousou sobre mim, e me ungiu para evangelizar os pobres e me enviou para perdoar os contritos de coração”. Lc 4,48
Introdução
Nêsse instante, o meu pensamento se volta para um passado que se estendeu pelo espaço de longos anos, e um fervilhar de sentimentos invade-me a alma. Eu sinto necessidade de falar, mas ao mesmo tempo tenho que fazer violência a mim mesmo para que a emoção não me embargue a voz.
Como o despertar de uma aurora a destilar das mais delicadas flores o esquisito aroma, raiou para mim o dia que eu sonhei lá nos longínquos da minha infância, sonho que me embalou a primavera verde da existência, sonho que hoje já não é sonho, sonho que foi meu êxtase e hoje é meu triunfo: o sacerdócio!
Caríssimos fiéis que me ouvis nesse momento! Permita eu vos declarar que se sentem os meus lábios incapazes de traduzir o que me passa na alma nesse instante. Eu sinto que é bem reduzida a capacidade da nossa pobre linguagem humana! Porque existem sentimentos que aos lábios não foi dado exprimir. Mistér fora que o coração os externasse na sua própria linguagem!
Entretanto, é preciso que meus lábios também falem. E que palavras dirão eles senão palavras de gratidão? “abri, Senhor, os meus lábios e a minha boca anunciará os vossos louvores!”
O meu primeiro pensamento, hoje que cinge-me a fronte a aureola da dignidade sacerdotal, hoje que pousa sobre a minha pessoa a mais divina das responsabilidades que Deus confiou ao homem, hoje que adorna-me a alma o caráter indelével do Sacramento da Ordem, o meu primeiro pensamento de gratidão volta-se para Deus meu Salvador!
Foi Deus quem me escolheu para que eu fosse um “outro Cristo”. Foi Ele, só Ele, independentemente de qualquer outra razão fora de sua pura misericórdia. A existência do meu sacerdócio só tem rezão de ser na misericórdia de Deus.
Caríssimos fiéis, agradecei por mim vós também, ao Senhor que me tirou do meio de vós. Ele tirou-me do de vós, e hoje novamente me restitui a vós, não mais simples homem como quando dentre vós me tinha tirado, mas um homem transformado em Cristo. Tirou-me do meio de vós e agora apresenta-me de novo a vós para vo-lo dar a vós.
- Depois de Deus eu tenho que testemunhar a minha gratidão aos meus queridos pais, que num gesto de despreendimento e de coragem cristã, não hesitaram um só instante em eixar-me o caminho aberto para o sacerdócio.
- Querido pai e querida mãe, a quem depois de Deus eu devo tudo na minha vida, eis que finalmente, num arroubo emocionante e religiosa aventura vós tendes a invejável felicidade de contemplar em vosso filho revestido da dignidade sacerdotal.
- Certamente para vós o dia de hoje reveste-se de algo de que nenhum outro dia se tem revestido. Mas é preciso saber que Ele é um triunfo que foi conquistado palmo a palmo com um sacrifício logo e agudamente pungente.
- É preciso saber que Ele custou a dor lancinante duma separação entre vós e vosso filho justamente no momento em que dele mais tinheis necessidade!
- É preciso saber que ele importou na frustração de ambos ideais e interesses com relação a um futuro meu possível – ideias e interesses humanos e temporais , é verdade! – Mas bem legítimos e autênticos. Numa palavra é preciso saber que o dia de hoje custou um martírio para o vosso coração e o meu.
- E eu não teria coragem de vos impor este sacrifício se a voz que Deus fez ouvir a minha alma ainda na aurora dos meus anos não fosse assim imperiosa e categórica.
- Sim, porque o chamado que Deus dirigiu à minha alma eu não pudera recusá-lo! Eu tive que aceder àquele chamado insistente, forte, persuasivo, embora soubesse o que isto significasse para o vosso coração.
- Sabia sobretudo o que isto significava para o coração materno e delicado de minha mãe.
- Permita-me, querida mãe, permita que neste dia, quando de vossos olhos caem lágrimas de alegria (consolação celeste)eu vos recorde outros dias em que desses mesmos olhos caíram lágrimas de amargura.
- Permiti que hoje quando tudo fala de emoções celestialmente felizes e belas, eu vos recorde a existência de outros tempos que vos foram de tristeza.
- Recordai o instante pungente daquela separação que tivemos há catorze anos!
- Recordai a saudade dolorosa, aqueles anseios, aquelas apreensões, aqueles espasmos de preocupação materna que vos ficaram na alma.
- Recordai as noites de vigílias e insônia em que vão conseguistes conciliar o sono porque os pensamentos pelo filho distante vos não deixavam.
- continua…